Wednesday, November 30, 2005

Opus 1, nº2.



Esta segunda exposição de Belém foi o oposto da primeira, em tudo.
Eu não estava chegando, estava saindo.
Tinha cheiro de despedida.
Não tinha a carga solar, era noturna, fruto, talvez, do tempo e do momento em que foram executadas.
Na bagagem, trazia a absorção de uma cultura nova, a paraense, registrada na memória de noites quentes e cheirosas. Eu me sentia como Paul Cézanne, reaprendendo com o “bom sauvage”, renovado em minha essência, tinha bebido da fonte da água da vida, mergulhado no meu primitivo, no meu primor. Talvez não tanto com a mesma intensidade, mas na mesma direção... Minha cor nunca fora tão forte, desde o início da minha opção pela técnica do pastel como ”atalho”para a pintura a óleo, (opção que fizera em 74, já que a mistura de cor do óleo e do pastel são muito semelhantes, sendo que o pastel, por ser uma técnica “seca”, permite uma velocidade de execução e, portanto, de aprendizagem, muito maior) . “Atalho” este que já durava 12 anos, primeiro porque eu me apaixonara pela técnica e pelo seu estudo de uma tal maneira, que não conseguia me interessar pelas chamadas técnicas húmidas. No entanto, neste período em Belém, cor, luz, textura e até o suporte (passara a fazer pasteis sobre tela), tinham atingido uma tal intensidade , luminosidade,a contraste como jamais o pastel me oferecera. Eu só percebi isso com clareza, recentemente, quase vinte anos depois, quando recebi um convite para voltar ao Pará onde iria realizar um Projeto de desenvolvimento humano centrado em Arte e, imediatamente fui ao “Google” e digitei “Paul Cézanne”.
Minha obra, agora tinha se transformado.
Tinha Cheirinho-do-Pará.
Tinha me contaminado com a coisa do índio, do caboclo, inevitável em Belém.
Tinha a cor de açaí.
Tinha as saudades antecipadas do convívio de novos amigos que iriam passar a ser, dentro de alguns dias, velhos amigos, daqueles que a gente gosta, mesmo sem ver nunca mais... e, quando a gente fica maduro, permanecem como o nosso contato com a memória dos anos verdes, como a Amazônia é verde. E a gente se pergunta como estarão, tantos anos sem notícia...
Isso tudo fica muito mais claro para mim, quando releio o pequeno texto que incluí na contra capa do catálogo:

“Esta quarta individual, segunda em Belém, é um poema visual ao Pará, às noites paraenses passadas em claro na dança / luta com o pastel, enquanto a luz, as cores e traços da cultura, do humor e da natureza daqui se manifestam na minha obra, marcando para sempre sua trajetória.
Odilon Cavalcanti
Jun/87

Post blogun: Noites paraenses, opus 1, nº 2 é um pastel sobre papel Ingres Fabriano no formato de 50X50 cm.

Tuesday, November 29, 2005

Odilon, uma proposta em pastel.




"Certas harmonias de cores causam sensações
que até mesmo a música não pode atingir".
Delacroix


Se, por uma lado, a cor já foi codificada ( Goethe, por exemplo), defini-la ainda continua sendo quase impossível, Mas como o seu efeito depende mais da sensibilidade que do conhecimento codificado, o artista é o ser apto para descobrir o que fazer com ela e chegar mesmo à cor inexistente". Partindo da premissa que a cor e a forma são a base do vocabulário do pintor, pode-se afirmar que uma pintura triunfa ou fracassa na medida em que as mesmas se interrrelacionam. Portanto, se a cor atinge a visão , a percepção e a emoção daqueles que vêem, o preto, tido como ausência de cor, para o artista, ao contrário, é a presença absoluta da cor e da luz. Porque, em arte, tudo se projeta numa zona onde não há valores fixos ou pré fixados e o artista, o crítico e o apreciador conseguem apenas aquilo que se esforçam por obter o impossível. A esse esforço pode-se dar os nomes de iniciação , labor, experiência crítica, que constituem o fundamental para o exercício artístico. Somado à ansiedade referida por ao analisar Picasso, isso transforma o artista em permanente perquiridor da nunca conseguida "beleza ideal" que, pela vibração e busca incessante do artista consegue, a despeito de tudo, interpretar e transmitir as angústias e as alegrias de seu tempo e espaço. Acredito que o pintor Odilon é um exemplo de artista consciente desse entendimento de pureza que legitima a expressão artística. Utilizando com competência a extrema fragilidade e delicadeza das terras pulverizadas do material que escolheu para trabalhar, ele sabe extrair, com extraordinária riqueza, efeitos que só o conhecimento aprimorado permite a esse tipo de recurso técnico da pintura. Por isso vale destacar a qualidade de uso pessoal que faz desse material, valorizado por vários pintores famosos do impressionismo, no fim do século passado, como Degas, Toulouse-Lautrec, Renoir, Monet. O pastel, entretanto, tem história um pouco mais recuada no tempo. Atualmente, contudo, a corrida tecnológica a tem colocado em segundo plano, tornando cada vez mais raro a contra posição à crescente utilização das tintas acrílicas. O uso desse material como recurso decorativo em publicidade e a sua característica delicadeza de manuseio certamente também tem contribuído para um certo "desdém por parte dos pintores e consumidores", envolvidos pela descontinuidade de nosso tempo. Como ensinam os mestres, na realidade, os cuidados atribuídos para qualquer desenho ou pintura a lápis , aquarela ou óleo. Toda obra de arte deve ser cuidada, conservada e, somente assim, foi possível manter até hoje o frescor das célebres bailarinas de Dègas e as famosas cenas do Moulin Rouge de Toulouse Lautrec. Todavia, por serem pouco cultivadas e de difíceis peculiaridades técnicas, como dissemos, cada vez mais raros. Essa pouca difusão de uso talvez impeça que o pastel estimule nos artistas a curiosidade de conhecimento pleno de seus atributos de infinita potencialidade técnica. Quando um pintor dedica-se com afinco a um determinado material, pode extrair dele surpreendentes resultados. É o caso do pintor Odilon Cavalcanti. Seus 16 trabalhos exibidos nessa mostra no Mubel são o produto mais recente da produção do pintor, que sabe substituir os obstáculos materiais da técnica pela substância telúrica de suas telas. Forma e conteúdo se harmonizam em um figurativo de forte tendência abstrata, onde o informal e o geométrico aparecem como um meio apenas, porque fim é o que a percepção dos que têm olhos e vêem, saberão encontrar em Odilon, artista cheio de promessas e já apto a descobrir, na verdade de seu intenso colorido e de seu adequado conhecimento técnico do material, a cor inexistente" , que transforma uma simples prancha colorida em obra de arte.
Benedicto Mello
Belém 1987

Monday, November 14, 2005

Noites Paraenses.


chegamos á quarta individual. pela primeira vez senti a diferença da luz que a mudança para belém provocou em minha obra. as cores esquentaram. os contrastes aumentaram. a tempeeratura da cor subiu. alegres trópicos. belém, ao contrário do resto da minha família, tinha passado pela janela. do carro, do apartamento. interessante. hoje, apaixonado pela floresta como me descubri depois, não entendo como passei ao largo dessa tropicalidade toda. dessa presença amazônica que me fala tão direto aos sentidos e à alma. da vida real não queria ver nada. só abria os olhos interiores depois de dar o meu sangue á empresa o dia todo e, de madrugada, voltava exausto para para poder ver a eletricidade que vinha de meus sonhos. mas mesmo assim fui violentamente modificado pelo ambiente. sem nem me dar conta. quando fiz as malas para sair de vez de belém é que percebi o quanto aquela luz me iluminara. o quanto aquela luminosidade excessiva tinha saturado e revelado os cantos mais desconhecidos de mim, para mim. e de mim para os outros. assim, dias antes de pegar o avião de volta expus estes trabalhos no museu da cidade, à convite de seu diretor, então, o benedito melo, que assina o próximo texto que publicarei aqui, parte de minha fortuna crítica.

Tuesday, November 01, 2005

conteudo III



esta foi a exposição mais bem sucedida em vendas.
tanto, que tenho muito pouco material dela, até para registro.
um dos poucos trabalhos que me sobraram dela é o conteúdo III.
e o espelho/fragmento que começa a postagem dessa série.
eram 23 trabalhos. só tenho quatro deles. outros, vendi ou dei, ao longo dos anos.
na exposição mesmo, vendi 12 e dei um para o jornalista que fez a divulgação.
um dos mais conhecidos jornalistas do “o liberal”. o coquetel e o catálogo foram pagos pelo grupo empresarial que a empresa que eu dirigia fazia parte. bom dinheiro, mesmo para quem ganhava bem, como eu, na época. investi em material, que comprei em s. paulo e numa viagem pelo brasil com a malou e as meninas, minhas 3 filhas. ao contrário de outras exposições, que quase sempre me deixam na lona, e que estão sempre associadas à momentos dramáticos e críticos, esta só teve de dramático o fato de que quebrei três dedos da mão direita num acidente na porta do carro, na véspera. cheguei à exposição de mão engessada na tipóia. quem sabe não tenha sido isso que valorizou o trabalho e criou tanta demanda: o acidente atingiu a mão direita...talvez o artista não possa mais pintar...quem sabe...é por isso que eu sempre digo:”... artista bom é artista morto...”