Saturday, October 21, 2006

Arqueologia de uma obra










Entre as imagens recuperadas em slides pó Armando de Syllos encontram-se esses dois exemplares de obras com forte apelo erótico.
É muito interessante notar que, para mim, a expressão de toda eroticidade está vinculada, quase sempre à figuratividade. Como se ao tratar da figura permitisse a expressão da matéria em sua relação com a vida. Nem sempre isso é exatamente assim como está evidente nestes dois trabalhos que do meu post de hoje.
A explosão orgásmico/atômica e a construção de um perfil com um corpo azul como que ajoelhado por sobre uma boca magenta que, apenas ela de tão gráfica remete a uma construção geométrica. Dói-me a evidência quase permissiva destas figurações.
Como se eu estivesse a nu, não só a figura. O que não me tira o prazer de recuperá-las e fruí-las depois de tanto tempo. Armando fez, em ambos os casos, aproximações, closes.
Isso tinha uma função no áudio-visual em que estas imagens foram utilizadas. Mas não posso deixar de entender esse zoom na obra como uma chance de revelar um olhar sobre o olhar, mesmo que do outro. E aproveitá-lo.

Thursday, October 19, 2006

Flash Back



Retomo o futuro deste blog com o registro do passado.
O blog me organizou para a criação do meu site, presente dos amigos queridos da Traça.
Como previa foi também ferramenta arqueológica para a recuperação de imagens das quais não tinha mais nenhum registro. Algumas delas continuavam vivas na memória.
Minha e de uns poucos que com elas conviveram. Assim, é um prazer retomar esta trajetória que projetou minha obra no futuro, mostrando um pouco do passado: algumas obras da primeira exposição, outras anteriores, ainda, uma delas feita com colagem de uma foto do meu amigo dos verdes anos, Armando de Syllos, que é quem as tinha guardado em cromos 35mm. Memórias de imagens do que um dia foram imagens da memória. Porisso escolhi esta paisagem aérea de Sampa. Uma coisa bem urbana. Uma imagem do espigão da Paulista construída na memória e projetada no papel.Um sonho.
Posto os dois trabalhos recordando que na imagem com a foto, há também um poema de Marcelo Tápia, na época que foram feitas estas imagens, Marcelo, Armando e eu formávamos um grupo que estava ao mesmo tempo criando o design do primeiro livro do Marcelo “AO”, (que não foi editado mas gerou material para seu primeiro livro “Primitipo”), fazíamos audiovisuais e intervenções urbanas em São Paulo, utilizando projeções de desenhos , poemas e fotos em empenas cegas da cidade. Era início dos anos 80. Fomos pioneiros nestas intervenções nunca registradas. A história estava escoando pelos nossos dedos...mas, quando se é jovem, quem se liga em História?

Sunday, December 11, 2005

ciranda, cirandinha.




a quinta exposição começa na minha mudança de belém pro recife.
dizendo melhor ainda: para itamaracá. a ilha do litoral norte pernambucano na qual meus avós paternos e alguns meus tios moraram nos anos 30 ou 40. eu e malouzinha também passáramos mais de três meses, pouco antes de me casar e meus pais tinham construído uma casa ótima, lá, mas já a tinham vendido, anos antes, por ocasião de uma doença grave de meu pai. acabei comprando essa casa de volta e instalando nela meu atelier. depois de uma década e meia de trabalho conseguira, finalmente, reunir um dinheirinho suficiente para comprar uma casa e tentar viver, com todas as implicações disto, de, pelo e para, meu trabalho de arte. eu estava em processo de mudança, de sedimentação de conquistas passadas e abertura para novos espaços.
tinha consciência de que chegara a um domínio da técnica do pastel. o “atalho para o óleo” que a técnica do pastel, inicialmente, significara, acabara em um convívio exclusivo de 12 anos. chegara a hora de me dirigir às técnicas úmidas. chegara a hora de interpor o pincel como extensão da mão ( na técnica do paste seco, o contato é direto do bastão com o suporte), chegara a hora de me tornar um pintor. esse processo, na minha cabeça, significava radicalizar as diferenças para agregar o novo “saber”. assim, procurei uma iniciar o novo processo através de uma tinta que prescindisse da cor: o nankin. reduzi tudo ao preto e branco para, a partir daí, ir acrescentando a cor, aos poucos, o que fiz através do guache.
a coleção que posto aqui, faz parte deste processo, é uma série de “cirandas”, ritmo, dança e manifestação religiosa e cultural oriunda de itamaracá. é precisamente onde este processo de emersão à cor ,a partir da ausência de cor, acontece.

Thursday, December 08, 2005

peguei um ita no norte.


noites paraenses, opus 1nº 3 é um pastel sobre papel fabriano preto. essa técnica tem algo de divina. e um fiat lux, você tira luz das trevas. cada cor vibra num determinado comprimento de onda. uma cor vibra com a cor adjacente e cria uma vibração de um comprimento de onda que o olho humano só pressente. é essa a lição que benedicto mello, então diretor do mubel (museu da cidade de belém) me deu no texto com que me honrou no catálogo. não sei se entendi tudo o que deveria entender, revendo os títulos das 16 obras que expus neta quarta individual, acho até que sim: cinco deles são “grandes nus paraenses”, um “com tucano” um “sabor açaí”, um “iluminado”, um "com veladura" e um “noturno”.
há, também, três títulos engraçados: “projeto para carrinho de raspa-raspa”, “remo x paissandu” e “mulher careca assistindo comercial de xampu no ver-o-peso”, marcas literárias da assimilação da cultura paraense, que estava por deixar. marcas das “noites paraenses” que nomeiam outros seis trabalhos, diferenciados pelos registros tipo “opus x, nº y “. de resto só mais dois títulos, que falavam de despedida. um “belém/brasília, o outro “cadeira vazia”. eu estava indo embora e colorindo com a cor invisível meu adeus: adeus, adeus belém do pará.

Tuesday, December 06, 2005

Grande Nu Paraense.


esta exposição foi a mais figurativa de toda minha carreira.
algo na umidade do pará, talvez, que tenha me trazido para dentro da pele.
algo que torna as formas do corpo mais presentes como se as peles que contém os líquidos sentisse um pouco mais a pressão de dentro pra fora. e de fora pra dentro.
algo que só se sente no pará. uma umidade que transborda os poros. quente como uma lâmpada, que lá em guernica, bomba, aqui, neste pastel sobre tela, luz mortiça, nua como convém às musas, seca, nesses amarelos que se esvaem sobre os corpos,
não que não tenha sentido , ao contrário, é pé COM cabeça. as direções é que são diferentes. como é quente...como transpiro, ...piro e rompo a cor do fundo, pesada de umidade roxo azulada. pesada de humildade a cabeça se entrega à curva do calcanhar e cerra os olhos. sonho: ainda é tudo possível. ainda tenho tudo a fazer...estou nu.
ainda tenho muito a sonhar. meus sonhos, só meus sonhos me cobrem.

Wednesday, November 30, 2005

Opus 1, nº2.



Esta segunda exposição de Belém foi o oposto da primeira, em tudo.
Eu não estava chegando, estava saindo.
Tinha cheiro de despedida.
Não tinha a carga solar, era noturna, fruto, talvez, do tempo e do momento em que foram executadas.
Na bagagem, trazia a absorção de uma cultura nova, a paraense, registrada na memória de noites quentes e cheirosas. Eu me sentia como Paul Cézanne, reaprendendo com o “bom sauvage”, renovado em minha essência, tinha bebido da fonte da água da vida, mergulhado no meu primitivo, no meu primor. Talvez não tanto com a mesma intensidade, mas na mesma direção... Minha cor nunca fora tão forte, desde o início da minha opção pela técnica do pastel como ”atalho”para a pintura a óleo, (opção que fizera em 74, já que a mistura de cor do óleo e do pastel são muito semelhantes, sendo que o pastel, por ser uma técnica “seca”, permite uma velocidade de execução e, portanto, de aprendizagem, muito maior) . “Atalho” este que já durava 12 anos, primeiro porque eu me apaixonara pela técnica e pelo seu estudo de uma tal maneira, que não conseguia me interessar pelas chamadas técnicas húmidas. No entanto, neste período em Belém, cor, luz, textura e até o suporte (passara a fazer pasteis sobre tela), tinham atingido uma tal intensidade , luminosidade,a contraste como jamais o pastel me oferecera. Eu só percebi isso com clareza, recentemente, quase vinte anos depois, quando recebi um convite para voltar ao Pará onde iria realizar um Projeto de desenvolvimento humano centrado em Arte e, imediatamente fui ao “Google” e digitei “Paul Cézanne”.
Minha obra, agora tinha se transformado.
Tinha Cheirinho-do-Pará.
Tinha me contaminado com a coisa do índio, do caboclo, inevitável em Belém.
Tinha a cor de açaí.
Tinha as saudades antecipadas do convívio de novos amigos que iriam passar a ser, dentro de alguns dias, velhos amigos, daqueles que a gente gosta, mesmo sem ver nunca mais... e, quando a gente fica maduro, permanecem como o nosso contato com a memória dos anos verdes, como a Amazônia é verde. E a gente se pergunta como estarão, tantos anos sem notícia...
Isso tudo fica muito mais claro para mim, quando releio o pequeno texto que incluí na contra capa do catálogo:

“Esta quarta individual, segunda em Belém, é um poema visual ao Pará, às noites paraenses passadas em claro na dança / luta com o pastel, enquanto a luz, as cores e traços da cultura, do humor e da natureza daqui se manifestam na minha obra, marcando para sempre sua trajetória.
Odilon Cavalcanti
Jun/87

Post blogun: Noites paraenses, opus 1, nº 2 é um pastel sobre papel Ingres Fabriano no formato de 50X50 cm.

Tuesday, November 29, 2005

Odilon, uma proposta em pastel.




"Certas harmonias de cores causam sensações
que até mesmo a música não pode atingir".
Delacroix


Se, por uma lado, a cor já foi codificada ( Goethe, por exemplo), defini-la ainda continua sendo quase impossível, Mas como o seu efeito depende mais da sensibilidade que do conhecimento codificado, o artista é o ser apto para descobrir o que fazer com ela e chegar mesmo à cor inexistente". Partindo da premissa que a cor e a forma são a base do vocabulário do pintor, pode-se afirmar que uma pintura triunfa ou fracassa na medida em que as mesmas se interrrelacionam. Portanto, se a cor atinge a visão , a percepção e a emoção daqueles que vêem, o preto, tido como ausência de cor, para o artista, ao contrário, é a presença absoluta da cor e da luz. Porque, em arte, tudo se projeta numa zona onde não há valores fixos ou pré fixados e o artista, o crítico e o apreciador conseguem apenas aquilo que se esforçam por obter o impossível. A esse esforço pode-se dar os nomes de iniciação , labor, experiência crítica, que constituem o fundamental para o exercício artístico. Somado à ansiedade referida por ao analisar Picasso, isso transforma o artista em permanente perquiridor da nunca conseguida "beleza ideal" que, pela vibração e busca incessante do artista consegue, a despeito de tudo, interpretar e transmitir as angústias e as alegrias de seu tempo e espaço. Acredito que o pintor Odilon é um exemplo de artista consciente desse entendimento de pureza que legitima a expressão artística. Utilizando com competência a extrema fragilidade e delicadeza das terras pulverizadas do material que escolheu para trabalhar, ele sabe extrair, com extraordinária riqueza, efeitos que só o conhecimento aprimorado permite a esse tipo de recurso técnico da pintura. Por isso vale destacar a qualidade de uso pessoal que faz desse material, valorizado por vários pintores famosos do impressionismo, no fim do século passado, como Degas, Toulouse-Lautrec, Renoir, Monet. O pastel, entretanto, tem história um pouco mais recuada no tempo. Atualmente, contudo, a corrida tecnológica a tem colocado em segundo plano, tornando cada vez mais raro a contra posição à crescente utilização das tintas acrílicas. O uso desse material como recurso decorativo em publicidade e a sua característica delicadeza de manuseio certamente também tem contribuído para um certo "desdém por parte dos pintores e consumidores", envolvidos pela descontinuidade de nosso tempo. Como ensinam os mestres, na realidade, os cuidados atribuídos para qualquer desenho ou pintura a lápis , aquarela ou óleo. Toda obra de arte deve ser cuidada, conservada e, somente assim, foi possível manter até hoje o frescor das célebres bailarinas de Dègas e as famosas cenas do Moulin Rouge de Toulouse Lautrec. Todavia, por serem pouco cultivadas e de difíceis peculiaridades técnicas, como dissemos, cada vez mais raros. Essa pouca difusão de uso talvez impeça que o pastel estimule nos artistas a curiosidade de conhecimento pleno de seus atributos de infinita potencialidade técnica. Quando um pintor dedica-se com afinco a um determinado material, pode extrair dele surpreendentes resultados. É o caso do pintor Odilon Cavalcanti. Seus 16 trabalhos exibidos nessa mostra no Mubel são o produto mais recente da produção do pintor, que sabe substituir os obstáculos materiais da técnica pela substância telúrica de suas telas. Forma e conteúdo se harmonizam em um figurativo de forte tendência abstrata, onde o informal e o geométrico aparecem como um meio apenas, porque fim é o que a percepção dos que têm olhos e vêem, saberão encontrar em Odilon, artista cheio de promessas e já apto a descobrir, na verdade de seu intenso colorido e de seu adequado conhecimento técnico do material, a cor inexistente" , que transforma uma simples prancha colorida em obra de arte.
Benedicto Mello
Belém 1987